O homem acorda da
anestesia e olha em volta. Ainda está na sala de
recuperação. Há uma enfermeira do seu lado. Ele pergunta
se foi tudo bem.
- Tudo perfeito - diz a enfermeira, sorrindo.
- Eu estava com medo desta operação...
- Por quê? Não havia risco nenhum.
- Comigo, sempre há risco. Minha vida tem sido uma série
de enganos...
E conta que os enganos começaram com seu nascimento.
Houve uma troca
de bebês no berçário e ele foi criado até os dez anos por
um casal de
orientais, que nunca entenderam o fato de terem um filho
claro com olhos
redondos. Descoberto o erro, ele fora viver com seus
verdadeiros pais. Ou
com sua verdadeira mãe, pois o pai abandonara a mulher
depois que esta não
soubera explicar o nascimento de um bebê chinês.
- E o meu nome? Outro engano.
- Seu nome não é Lírio?
- Era para ser Lauro. Se enganaram no cartório e...
Os enganos se sucediam. Na escola, vivia recebendo
castigo pelo que não
fazia. Fizera o vestibular com sucesso, mas não
conseguira entrar na
universidade. O computador se enganara, seu nome não
apareceu na lista.
- Há anos que a minha conta do telefone vem com cifras
incríveis. No mês
passado tive que pagar mais de R$ 3 mil.
- O senhor não faz chamadas interurbanas?
- Eu não tenho telefone!
Conhecera sua mulher por engano. Ela o confundira com
outro. Não foram
felizes.
- Por quê?
- Ela me enganava.
Fora preso por engano. Várias vezes. Recebia intimações
para pagar dívidas
que não fazia. Até tivera uma breve, louca alegria,
quando ouvira o médico
dizer:
- O senhor está desenganado.
Mas também fora um engano do médico. Não era tão grave
assim. Uma
simples apendicite.
- Se você diz que a operação foi bem...
A enfermeira parou de sorrir.
- Apendicite? - perguntou, hesitante.
- É. A operação era para tirar o apêndice.
- Não era para trocar de sexo?
Luis Fernando Veríssimo
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