Sozinho,
no cais deserto, a esta manhã de Verão,
Olho
pró lado da barra, olho pró Indefinido,
Olho
e contenta-me ver,
Pequeno,
negro e claro, um paquete entrando.
Vem
muito longe, nítido, clássico à sua maneira.
Deixa
no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.
Vem
entrando, e a manhã entra com ele, e no rio,
Aqui,
acolá, acorda a vida marítima,
Erguem-se
velas, avançam rebocadores,
Surgem
barcos pequenos detrás dos navios que estão no porto.
Há
uma vaga brisa.
Mas
a minh’alma está com o que vejo menos.
Com
o paquete que entra,
Porque
ele está com a Distância, com a Manhã,
Com
o sentido marítimo desta Hora,
Com
a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,
Como
um começar a enjoar, mas no espírito.
Olho
de longe o paquete, com uma grande independência de alma,
E
dentro de mim um volante começa a girar, lentamente.
Os
paquetes que entram de manhã na barra
Trazem
aos meus olhos consigo
O
mistério alegre e triste de quem chega e parte.
Trazem
memórias de cais afastados e doutros momentos
Doutro
modo da mesma humanidade noutros pontos.
Todo
o atracar, todo o largar de navio,
É
— sinto-o em mim como o meu sangue —
Inconscientemente
simbólico, terrivelmente
Ameaçador
de significações metafísicas
Que
perturbam em mim quem eu fui…
Ah,
todo o cais é uma saudade de pedra!
E
quando o navio larga do cais
E
se repara de repente que se abriu um espaço
Entre
o cais e o navio,
Vem-me,
não sei porquê, uma angústia recente,
Uma
névoa de sentimentos de tristeza
Que
brilha ao sol das minhas angústias relvadas
Como
a primeira janela onde a madrugada bate,
E
me envolve com uma recordação duma outra pessoa
Que
fosse misteriosamente minha.
Fernando
Pessoa
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