ONTEM
à tarde, quando o sol morria,
A
natureza era um poema santo,
De
cada moita a escuridão saía,
De
cada gruta rebentava um canto,
Ontem
à tarde, quando o sol morria.
Do
céu azul na profundeza escura
Brilhava
a estrela, como um fruto louro,
E
qual a foice, que no chão fulgura,
Mostrava
a lua o semicirc'lo d'ouro,
Do
céu azul na profundeza escura.
Larga
harmonia embalsamava os ares!
Cantava
o ninho — suspirava o lago...
E
a verdade pluma dos sutis palmares
Tinha
das ondas o murmúrio vago...
Larga
harmonia embalsamava os ares.
Era
dos seres a harmonia imensa,
Vago
concerto de saudade infinda!
"Sol
— não me deixes", diz a vaga extensa,
"Aura
— não fujas", diz a flor mais linda;
Era
dos seres a harmonia imensa!
"Leva-me!
leva-me em teu seio amigo"
Dizia
às nuvens o choroso orvalho,
"Rola
que foges", diz o ninho antigo,
"Leva-me
ainda para um novo galho...
Leva-me!
leva-me em teu seio amigo."
"Dá-me
inda um beijo, antes que a noite venha!
Inda
um calor, antes que chegue o frio..."
E
mais o musgo se conchega à penha
E
mais à penha se conchega o rio...
"Dá-me
inda um beijo, antes que a noite venha!"
E
tu no entanto no jardim vagavas,
Rosa
de amor, celestial Maria...
Ai!
como esquiva sobre o chão pisavas,
Ai!
como alegre a tua boca ria...
E
tu no entanto no jardim vagavas.
Eras
a estrela transformada em virgem!
Eras
um anjo, que se fez menina!
Tinhas
das aves a celeste origem.
Tinhas
da luta a palidez divina,
Eras
a estrela transformada em virgem!
Flor!
Tu chegaste de outra flor mais perto,
Que
bela rosa! que fragrância meiga!
Dir-se-ia
um riso no jardim aberto,
Dir-se-ia
um beijo, que nasceu na veiga...
Flor!
Tu chegaste de outra flor mais perto!...
E
eu, que escutava o conversar das flores,
Ouvi
que a rosa murmurava ardente:
"Colhe-me,
ó virgem, — não terei mais dores,
Guarda-me,
ó bela, no teu seio quente..."
E
eu escutava o conversar das flores.
"Leva-me!
leva-me, ó gentil Maria!"
Também
então eu murmurei cismando...
"Minh'alma
é rosa, que a geada esfria...
Dá-lhe
em teus seios um asilo brando...
"Leva-me!
leva-me, ó gentil Maria!..."
Castro
Alves
Fonte: http://www.projetomemoria.art.br/CastroAlves/
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